Nas cidades mais pobres do país, mortos por Covid-19 assustam familiares e mudam rotina de moradores

Dispensado de uma churrascaria em São Paulo em meio à pandemia da Covid-19, o baiano Edson dos Santos, de 26 anos, voltou à terra natal...


Dispensado de uma churrascaria em São Paulo em meio à pandemia da Covid-19, o baiano Edson dos Santos, de 26 anos, voltou à terra natal em Adustina, município extremamente pobre de 17 mil habitantes na região do semiárido nordestino e a 370 quilômetros de Salvador. A bordo de seu próprio carro, o que é motivo de orgulho para seus pais e cinco irmãos, Edson chegou à casa de seus familiares na zona rural do município no último dia 22. Após uma semana, teve faltar de ar, mal estar e procurou atendimento no pronto socorro local, onde não há leitos de UTI, tampouco respirador. Em 1 de abril, começou um périplo até conseguir vaga num grande hospital. Uma ambulância com UTI móvel emprestada do município vizinho de Cícero Dantas o levou até a cidade de Cipó, onde um aeronave transportou o jovem até a capital baiana.

Edson ficou internado seis dias no Instituto Couto Maia, em Salvador, que tem atendimento voltado para doentes com coronavírus. Hipertenso, asmático e obeso, morreu no último dia 7. O exame deu positivo para Covid-19, mas a família questiona a contaminação. Com poucas notícias sobre o estado de saúde do jovem, os parentes contam que tiveram que buscar o corpo para que não fosse enterrado como indigente. Um de seus primos trouxe o caixão lacrado. A família sustenta que só teve autorização para fazer o enterro no final da noite. Um trator da prefeitura cavou um buraco profundo e, segundo os parentes, eles ajudaram o único coveiro do cemitério a fazer o enterro após uma cerimônia curta de apenas 10 minutos.

A morte do jovem foi a primeira registrada em Adustina e causou pânico no município, onde outras 39 pessoas que tiveram contatos com o jovem aestão sob monitoramento e há ainda um caso suspeito de uma idosa. Os familiares de Edson ficaram em quarentena, mas ninguém apresentou sintomas. Houve uma série de boatos e notícias falsas sobre novos casos nas redes sociais e até denúncias de ameaças contra Edson e seus familiares.

Também na mesma região do sertão baiano, a cidade de Araci contabiliza uma morte pela Covid-19. Adustina e Araci têm em comum o fato de que estão na fileira das últimas posições no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU. As duas têm alto índice de analfabetismo (cerca de 40% dos moradores) e quase metade de suas habitantes na lista de beneficiários do programa Bolsa Família.

Hoje, essas prefeituras vivem sob a preocupação do Covid-19 diante da chegada incontável de nascidos que haviam migrado em busca de trabalho, principalmente para São Paulo, epicentro da doença no país. Os municípios não têm dados, mas sabem que muitos filhos terra ficaram desempregados devido à pandemia e estão retornando para a casa dos pais. Na megalópole paulista, trabalhavam em construção civil, restaurantes, hotéis e serviços domésticos.

Segundo os familiares, devido a sua origem humilde Edson não completou o ensino fundamental e teve que se dedicar desde cedo ao trabalho. Seu primo, Gilberto Jesus Souza, o chama de “gordinho” e o descreve como muito alegre e de um “coração gigante”. Ele conta que antes do jovem ser internado mandou mensagem para dar um último “adeus”.

– Ele sabia que ia morrer e mandou esse áudio carinhoso para nós. Ele era assim, um menino feliz. Comprou um carro e também uma moto. Estava bem satisfeito com a situação dele. Queria cuidar da família, da mãe. Não tinha estudo. Sabe como a vida do nordeste é complicada? Ou a gente trabalha, ou estuda. Não tem jeito – afirma Gilberto. – O gordinho estava super bem ao chegar na roça. A gente acha que a causa da morte podem ter sido outros problemas de saúde ou que se contaminou no hospital.

O prefeito Paulo Sergio (PSL) baixou decretos para restringir a circulação de pessoas, suspendeu as aulas e fechou parte do comércio. Preocupado com a situação do município, onde estima que haja cerca de 8 mil desempregados ( quase 50% dos habitantes), resolveu reabrir a feira de segundas-feiras após uma alta abusiva de preços nas quitandas e frigoríficos. Segundo o mandatário, parte dos habitantes da zona rural já enfrentam escassez de alimentos.

– As pessoas trabalham na lavoura de feijão e milho, mas essa renda só acontece uma vez ao ano. Com essa crise, a única verba federal que chegou à Adustina foi de R$ 172 mil do Ministério da Saúde. Vamos usar para a compra de máscaras, luvas e aventais para a saúde e para equipar o hospital com um respirador – afirma o prefeito.

Em situação semelhante a de Adustina, Araci faz parte do maior polo de produção de sisal do mundo, mas reúne uma população majoritariamente pobre. Ali, ou se trabalha na roça, ou na Prefeitura ou no comércio local, que inclui uma Feira do Rolo que se esparrama pela área central da cidade, com ofertas de verduras a roupas e eletrodomésticos.

Aos 76 anos, José Silva Firmo quase não saia da cidade. Vivia entre a casa, no centro, e a roça, onde criava cabras. Casado há 58 anos, não desgrudava da mulher. Era ela quem tinha saúde mais frágil, mas Firmo também apresentava problemas causados pela idade, como diabetes e hipertensão. No último dia 4, um sábado, ele estava na roça quando começou a sentir dores no abdômen. Foi atendido no hospital municipal e voltou para casa com diagnóstico de infecção intestinal. A medicação não resolveu. Na madrugada de segunda-feira, retornou com falta de ar. Foi constatado edema pulmonar. Em menos de quatro horas, Firmo morreu.

Devido à falta de ar, foi feito teste para coronavírus e deu positivo.

– Se não tivesse a pandemia, a morte seria dada como infarto – diz Bartira Carvalho, coordenadora da Vigilância Epidemiológica do município.

Toda a família de Firmo entrou em quarentena. Só de filhos, são oito. Ninguém teve qualquer sintoma e todos os testes feitos até agora, incluindo o da mulher de Firmo, deram negativo – só faltam quatro a serem entregues. No hospital, 36 funcionários que tiveram contato com o paciente foram colocados em quarentena. O número impressiona, porque numa das vezes em que ele foi atendido houve troca de turno, o que significa que duas equipes tiveram contato com Firmo. Ninguém testou positivo.

A família de Firmo prefere não comentar. O fato é que duvida do resultado do teste. Acredita que pode ter sido um falso positivo, como Jorge Jesus, treinador do Flamengo.

Bartira diz não ter ideia de como o idoso foi contaminado sem sair da cidade, que não registra nenhum outro caso ou suspeita. Quando surgiu o primeiro caso de Firmo, o comércio já estava fechado e a feira, suspensa. Por determinação do prefeito, vigora atualmente até toque de recolher a partir de 19 horas.

Resta agora de aglomeração uma grande fila na agência da Caixa para receber os R$ 600 de ajuda do governo.

– Não temos condições de controlar quem está voltando para a cidade. É muita gente que trabalhava em São Paulo e até Santa Catarina e ficou desempregada com o coronavírus. Eles voltam para a casa dos pais, que recebem aposentadoria (rural). Aqui a vida é mais barata, não pagam aluguel – diz Darlon Oliveira Carvalho, responsável pela inscrição no Cadastro Único.

A área social da Prefeitura, que estava fechada e atendendo só por telefone, teve de reabrir. Darlon conta que responde a pelo menos 120 dúvidas por dia de pessoas que tentam o auxílio emergencial do governo ou o Bolsa Família. A Prefeitura providenciou a distribuição de 1.600 cestas básicas, para as famílias mais pobres, e 5 mil máscaras de proteção facial para evitar contaminação pelo coronavírus.

Globo.com

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RODRYGO FERRAZ: Nas cidades mais pobres do país, mortos por Covid-19 assustam familiares e mudam rotina de moradores
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